segunda-feira, março 28, 2005

AR PURO: Pacheco Pereira insurge-se contra a "forma particular de deserto" que cresce nestes dias.
Até concordo! Contudo, ele não deixa de dar o seu precioso contributo para esta desertificação. Com tanto "ar puro" no seu Abrupto, qualquer dia, em vez do deserto, temos o vácuo.

BLASFEMO SAPIENTE: Do alto da sua sapiência, João Miranda passa um atestado de ignorância a todos os esquerdistas.
Segundo ele, "as soluções esquerdistas acabarão por causar novos problemas... seguindo-se novo empobrecimento e mais desemprego".
Fico curioso quanto à solução que ele daria aos problemas sociais, já que não apontou nenhuma, nem sequer respondeu às questões simples que coloquei.
Provavelmente, João Miranda, culto e sapiente, não ignora o resultado das soluções preconizadas por aqueles que, como ele, procuravam a todo o custo fazer funcionar o sistema capitalista, quando este deu o estoiro em finais do anos vinte.
Steinbeck descreve-o de forma magnífica:

Queimam café como combustível de navios. Queimam o milho para aquecer; o milho dá um lume excelente. Atiram batatas aos rios, colocando guardas ao longo das margens, para evitar que o povo faminto intente pescá-las. Abatem porcos, enterram-nos e deixam a putrescência penetrar na terra.
Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano. Há nisto uma tristeza, uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar. Crianças atingidas de pelagra têm de morrer porque a laranja não pode deixar de proporcionar lucros. Os médicos legistas devem declarar nas certidões de óbito: «Morte por inanição», porque a comida deve apodrecer, deve, por força, apodrecer.
O povo vem com redes para pescar as batatas no rio, e os guardas impedem-no. Os homens vêm nos carros ruidosos apanhar as laranjas caídas no chão, mas as laranjas estão untadas de querosene.
E ficam imóveis, vendo as batatas passarem flutuando; ouvem os gritos dos porcos abatidos num fosso e cobertos de cal viva; contemplam as montanhas de laranjas, rodando num lodaçal putrefacto.


John Steinbeck, As Vinhas da Ira, Livros do Brasil, Lisboa

quinta-feira, março 24, 2005

BARNEBICES: Não há pachorra!...
Se à direita é a inconsequência arrogante que se vê, à esquerda é a pobreza de espírito mais pelintra. É ver este post do Barnabé!
Que humor mais rasteirinho e infeliz... Ler as 'Farpas' é o que dá, não se aguenta tanta vacuidade.

BLASFÉMIAS: Já há muito tempo que não visitava alguns blogues. Recentemente, ao clicar nalguns dos links ao lado, fui parar ao Blasfémias. Fiquei surpreendido com algumas das novas(?) aquisições...
Mais trauliteiros e provocadores do que nunca. Será que se levam mesmo a sério?
Será que esta gente é tão insensível aos dramas humanos que acredita mesmo que a solução para o país seria abandonar grande parte da população à total indigência, para que o mercado se encarregasse de regular as necessidades entre a oferta e a procura. Esquecem-se que estão a falar de seres humanos... Ou, como liberais puros, defendem que estes devem ser tratados como vulgar mercadoria que se prestasse a ser enterrada para que o mercado se ajustasse?
Só fala assim quem nunca provou amarguras na vida!

segunda-feira, março 21, 2005

CASSANDRA: Será que Pacheco Pereira vai responder com música de Robin dos Bosques a Pedro Pinto?

VANESSA: Já aqui manifestei o meu apreço por Ana Sá lopes. Até já me solidarizei com ela em anteriores batalhas que travou. Porém, desde que abraçou a causa das "mulheres ao poder", cada vez mais se assemelha à caricatura que criou - a Vanessa.

Já sei que vou engrossar a fileira dos bloggers anónimos que a perseguem... :)

sexta-feira, março 18, 2005

AS FARPAS: Estou a ler com grande deleite As Farpas originais de Eça de Queiroz, publicadas pela Principia sob a coordenação de Maria Filomena Mónica.
Se a prosa de Eça é deliciosa, estranho a falta de exactidão no texto da coordenadora, tanto mais que se assume como uma especialista do século XIX.
A primeira incorrecção tem a ver com a referência "a um parlamentar famoso J. M. Vieira de Castro." Não existiu nenhum parlamentar J. M. Vieira de Castro, mas sim J. C. Vieira de Castro (José Cardoso Vieira de Castro) que Vasco Pulido Valente retratou magnificamente no seu livro Glória. Esta imprecisão pode ter sido uma mera distracção. Reprovável para quem deveria estar familiarizado com as ilustres figuras do séc. XIX, mas desculpável.
Muito mais grave é uma nota na página 16 que explica o termo Legitimista. Diz MFM que "Os legitimistas defendiam o absolutismo régio, a organização do Estado baseada nas três ordens (nobreza, burguesia e povo)..."
Não sei que pensar deste disparate (nobreza, burguesia!??? e povo). Qualquer estudante razoável, com o ensino básico, aprende que a sociedade do Antigo Regime é composta por três ordens: Clero, Nobreza e Povo (ou Terceiro Estado). A burguesia não constituía uma ordem à parte, fazia parte do terceiro Estado, ou seja, do Povo. Que é feito do Clero?
Para distracção já é demais...

Fiquemos apenas com o que de melhor tem o livro - o texto do Eça:

Diz este, muito a propósito, daqueles que orgulhosamente afirmam não ligar à política ou desprezam os políticos:

Os lustres estão acesos; o país é espectador distraído: nada tem de comum com o que se representa no palco; não se interessa pelos personagens e acha-os todos impuros e nulos; não se interessa pelas cenas e acha-as todas inúteis e imorais; não se interessa pela decoração e julga-a ridícula. Só às vezes, no meio do seu tédio, se lembra que para poder ver teve que pagar no bilheteiro!

quinta-feira, março 17, 2005

CUSTOIAS: O que afugentou Fátima Felgueiras não foi propriamente a eminência da prisão preventiva, mas a eventualidade desta ser cumprida em Custoias.
Para um nortenho, Custoias tem uma carga negativa superior ao próprio Inferno. É isto que o jornalista da SIC que a entrevistou não compreende e, como ele, a maioria da população portuguesa que vive a sul do Douro.

domingo, março 13, 2005

DISCURSO: A venda livre de medicamentos, que não necessitam de receita médica, não é propriamente um desígnio nacional. Não é uma medida que nos ocorra para enunciar num discurso de tomada de posse do governo do país. Nisto, concordo com Luís Filipe Meneses.
Mas, se deixarmos a primeira impressão de lado, ela contém a marca de José Sócrates. Afrontar o lobby farmacêutico não é coisa de somenos, num país em que os farmacêuticos dispõem de protecção e privilégios só comparáveis às confrarias medievais.
Assim, esta medida singela, e que certamente passaria quase despercebida entre as muitas decisões de qualquer governo de um país civilizado, aqui adquire contornos de guerra anunciada e de batalhas terríveis a travar.
O compromisso estabelecido no discurso de posse ganha assim um significado que torna difícil o recuo ou o esquecimento desta medida, cujo desígnio nacional está mais no domínio do simbólico do que aquilo que ela por si só pode representar.
A proposta de referendar a Constituição Europeia ao mesmo tempo que as autárquicas também parece ser aquilo que o mais elementar bom senso recomenda.
Temos, assim, a marca socrática. Não é palavroso nem eloquente, não almeja grandes ideais, nem tem uma visão estratégica para o país, mas se conseguir aplicar com eficácia cada uma das pequenas medidas tácticas que anuncia, já temos muito mais do que tivemos nos últimos dez anos de governação.

sábado, março 12, 2005

ANTÓNIO VITORINO: Seria desejável que os militantes do PS e o povo português em geral deixassem de contar com o eterno homem providencial - António Vitorino.
Este, apesar de possuir qualidades inegáveis, despreza ostensivamente o seu partido e o povinho português em geral, considerando-o coisa pouca para o seu enorme talento. Mantém uma descarada e interesseira ligação ao partido apenas para servir os seus interesses pessoais e não descartar a aura de eterno desejado, que tanto proveito lhe rende e afaga o seu incomensurável ego.
Por uma questão de higiene e dignidade pública, esqueçam de vez este homem. Ele não quer saber de vós para nada...

quinta-feira, março 10, 2005

CAVACO SILVA: Cavaco Silva, com um enorme fair play, declarou que desejava sucesso ao Governo que vai tomar posse. Esta postura suprapartidária parece indiciar que a sua candidatura presidencial prossegue o seu caminho, posicionando-se para angariar votos para além da sua cor partidária.
Se recapitularmos toda a recente acção de Cavaco Silva, observamos que todos os passos que deu foram meticulosamente calculados e nenhum foi em falso.
Vejamos. Havia que extirpar o mal, que parecia sem remédio, dentro do PSD - Santana Lopes. O singelo artigo no Expresso contribuiu para ajudar o Presidente Sampaio a decidir-se pela dissolução da Assembleia da República. Quando Santana Lopes, de forma ingénua, procurou envolvê-lo na campanha partidária, saltou a tempo do retrato, para, de forma coerente, não macular a sua imagem.
O resultado foi o que se viu. O PSD sofreu uma derrota estrepitosa. Todavia, o partido naturalmente desembaraçou-se do incómodo Santana Lopes e poderá assim recuperar paulatinamente a credibilidade de outrora, debaixo da nova liderança que se avizinha.
Ser apoiado pelo novo PSD não é o mesmo que ser apoiado pelo PSD de Santana.
Será que Cavaco Silva foi obreiro consciente de tudo isto? Torna-se até assustador imaginar que sim. Que homem extraordinário teria de ser para, com tamanha economia de meios e intervenções, conseguir o pleno nos seus objectivos e ficar numa posição mais do que privilegiada para ascender à Presidência da República.
Inclino-me para uma explicação mais humana, mas ainda assim não destituída de grande mérito. Cavaco aproveitou-se das circunstâncias fortuitas e soube escolher o lado certo da história, como hoje é habitual dizer-se.
Em todo o caso, não vislumbro adversário à altura para ele na corrida presidencial. Resta-me quase só desejar-lhe, também com todo o fair play, felicidades para o seu mandato presidencial.

sábado, março 05, 2005

NOVO GOVERNO: Mais discreto do que o esperado.
Louvo a atitude de Freitas do Amaral em aceitar o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Depois da escumalha que passou pelos cargos governativos, tornou-se quase um estigma, uma mancha no currículo, a passagem por um cargo governamental. Aqueles que reconhecidamente poderiam dar alguma nobreza à função resguardaram-se nos seus gabinetes dourados das administrações, universidades e outras instituições. Olhavam com algum desdém e troça aqueles que, por exclusão de partes, ocupavam os lugares governativos.
Descer deste limbo dourado, onde pouco ou nada se tem a perder e tudo a ganhar, e dar a cara neste mundo, certamente menos vantajoso, mas em que se pode fazer algo pelo país, desde que para isso haja vontade, competência, convicção e verdadeiro altruísmo, é um passo que infelizmente poucos têm a coragem de dar.