domingo, março 13, 2005

DISCURSO: A venda livre de medicamentos, que não necessitam de receita médica, não é propriamente um desígnio nacional. Não é uma medida que nos ocorra para enunciar num discurso de tomada de posse do governo do país. Nisto, concordo com Luís Filipe Meneses.
Mas, se deixarmos a primeira impressão de lado, ela contém a marca de José Sócrates. Afrontar o lobby farmacêutico não é coisa de somenos, num país em que os farmacêuticos dispõem de protecção e privilégios só comparáveis às confrarias medievais.
Assim, esta medida singela, e que certamente passaria quase despercebida entre as muitas decisões de qualquer governo de um país civilizado, aqui adquire contornos de guerra anunciada e de batalhas terríveis a travar.
O compromisso estabelecido no discurso de posse ganha assim um significado que torna difícil o recuo ou o esquecimento desta medida, cujo desígnio nacional está mais no domínio do simbólico do que aquilo que ela por si só pode representar.
A proposta de referendar a Constituição Europeia ao mesmo tempo que as autárquicas também parece ser aquilo que o mais elementar bom senso recomenda.
Temos, assim, a marca socrática. Não é palavroso nem eloquente, não almeja grandes ideais, nem tem uma visão estratégica para o país, mas se conseguir aplicar com eficácia cada uma das pequenas medidas tácticas que anuncia, já temos muito mais do que tivemos nos últimos dez anos de governação.